terça-feira, 23 de outubro de 2007

My Lagan Love

A maior parte das pessoa parece aceitar hoje em dia o fato de que o mundo não tem alma, que as pessoas, os animais e as coisas não tem alma, de que alma é uma crença supersticiosa e obscurantista de povos primitivos. Apoiadas por filósofos aracnídeos que vêm da França, elas se doam esse tipo de filosofia porque com ela podem fazer o que bem entenderem de suas vidas e do mundo. Os bem-pensantes da contemporaneidade na verdade apenas desejam a destruição de todos os valores e de todo o conhecimento e tradição. Qualquer fé, qualquer espiritualidade é para eles espúria e eles se arvoram inimigos de qualquer espécie de misticismo. Como me repugna essa aristocracia do pensamento vingar exatamente na terra onde meus ancestrais guaranis – que foram, aliás, destituídos e massacrados e escravizados por europeus bem-pensantes – viviam suas vidas em relação próxima com a essência das coisas e para quem tudo que não fôsse sagrado era simplesmente um inferno. Isso quase me faz chorar.

Por outro lado, há também aqueles que reconhecem isso e mesmo apesar da falta de uma cultura tribal verdadeira ainda assim procuram impregnar suas vidas de um sentimento primitivo, crias suas próprias tradições, manifestar uma sensibilidade verdadeiramente arcaica. Nós somos parte desse movimento de resistência à arrogância européia que quer fazer pensar que a mente humana pode mesmo sobrepujar a natureza. Não somos inimigos do pensamento – nem por certo dos filósofos franceses – apenas não temos a pretensão de dizer que haja alguma coisa de universal em nossas limitadas especulações. Estamos tão próximos dos sonhos e dos movimentos, tão próximos dos sentidos e do corpo, que todo esse palavrório que procura explicar as coisas provocando incerteza a todo custo nos parece desagradavelmente desnecessário. Há pessoas que não compreenderam Nietzsche que pensam que o filósofo pagão era inimigo da crença, inimigo dos deuses, quando na verdade ele procurava desesperadamente reinventar um paganismo que permitisse a fé para além da morte do cristianismo. Todos se lembram que “deus está morto”, mas ninguém se lembra que ele acusava os “modernos” de não terem força suficiente para crer, ou que ele dizia que o pagão é a mais elevada forma de afirmação da vida.

O que mais me toca no entanto, em relação a todos esses seres venerados pelos carregadores de livros e citadores de textos, são os posicionamentos medíocres que eles levantaram sobre as mulheres. A enquete sobre sexualidade dos surrealistas é simplesmente medonha. Não há nada ali da imaginação e da inventividade que os surrealistas apregoavam. São um punhado de opiniões machistas e pequeno-burguesas que me fazem querer vomitar. De alguma maneira, sou visceralmente incapaz de apreciar qualquer um que não saiba reconhecer a divindade das mulheres, pois essa é a pedra de toque de qualquer pensamento para mim. À parte de qualquer filosofia feminista, o que se pensa e se diz das mulheres para mim reflete o que se pensa e se diz da matriz geradora, da força de criação, da suavidade, da delicadeza, da crueldade da natureza também, mas que é uma crueldade completamente diferente da nossa. E o que isso revela é que existe um total descaso pela expressão feminina, um total descaso por tudo que não se afirma à força. Há uma tirania das palavras e uma total deselegancia dos gestos, que é creditada a um “século despedaçado” ou a um “discurso pós-contemporâneo” ou a qualquer título pedante. Me desculpem se este texto insultou alguém... a paixão exaltada lança farpas.

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