sábado, 1 de dezembro de 2007

O Nascimento dos Nossos Vícios

Texto extraído do Dicionário de Símbolos de Chevalier e Gheerbrant.

Rémy de Gourmont traduziu um texto surpreendente do séc. V a esse respeito – o Hamartigensia, ou gênese do pecado – de Aurelius Prudentius Clemens de Saragoça. Nossos vícios, escreve Prudentius, são nossos filhos, mas ao lhes darmos vida eles nos dão a morte, como o parto da víbora. Ela não dá à luz por vias naturais e não concebe pelo coito comum que distende o utero; mas assim que sente a excitação sexual, a obscena fêmea provoca o macho, que ela quer sugar com a boca bem aberta; o macho introduz a cabeça de língua tripla na garganta de sua companheira e, todo em fogo, dardeja-lje seus beijos, ejaculando por esse coito bucal o veneno da geração. Ferida pela violência da volúpia, a fêmea fecundada rompe o pacto de amor, dilacera com os dentes o pescoço do macho e, enquanto este morre, engole o esperma infundido em sua saliva. O sêmen assim aprisionado custará à mãe a sua vida: quando tornarem-se adultos, estreitos corpúsculos, começarão a arrastar-se em sua morna caverna, a sacodir o utero com suas vibrações... Como não há saída para o parto, o ventre da mãe é dilacerado pelo esforço dos fetos em direção à luz, e os intestinos rasgados lhes abrem a porta... Os pequenos repteis rastejam em torno do cadáver natal, lambem-no – uma geração órfã ao nascer... Como nossos partos mentais...

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