A vaidade do ego é fútil. Mas que dizer da verdadeira vaidade, leve e leviano cultivo de uma imagem, de uma natureza morta para ocultar o que é vivo, torná-lo em segredo, ou melhor, em mistério? Poder observar-se com o desprendimento de quem aprecia a beleza de uma rosa, seus perfumes, seus mais íntimos pensamentos. Eu vivo no mito da vaidade, da vaidade etrusca, onde o mundo é um bordel. Faço dela o todo de minha prática religiosa. O cuidado com meu corpo me ensina todos os mistérios da vida. Quando começo a me descuidar demais – a loucura furiosa da ansiedade como um vício – tento imaginar-me como uma planta muito pequena, que depende de mim. Essa metáfora me lembra da delicadeza necessária do proceder.
Amar a beleza na vida é acercar-se dela e nunca mais desejar deixá-la. Por as mãos na beleza é movê-la, criá-la e ser criado por ela. Como alguém poderia sentir culpa por sentir vaidade? Até mesmo a criatura mais feia é capaz de encontrar a beleza dentro de si e amá-la mais que tudo. E eu certamente não sou a criatura mais feia.
A vaidade do ego é um erro, um desvio. Desvia-se da contemplação cósmica da natureza e da unidade orgânica para uma história de feitos pessoais, uma história moral. Do amor da deusa para o dos heróis. Não vou dizer que eu cuspa no amor dos heróis. Só estou dizendo que ele é vão, apesar de mover mundos. Nunca deixo que ele se torne mais forte que o simples amor por mim mesmo, aqui e agora, como corpo e canção de corpo. Tenho meus mitos heróicos como qualquer um tem seu ego, seu nome. E o nome está na lista, e em risco, em um mundo de espadas. É a isso que leva a vaidade do ego, a um trovejar heróico de pub, a um mundo de deuses velhos, eternamente se auto-afirmando, patéticos, senis. Nada mais patético que um deus que deseja a adoração de homens!
Mas mesmo que eu adore a mim mesmo e a meu reflexo no espelho, adoro com igual fervor meu reflexo em outras faces humanas, e o fato de outros poderem adorar-se em mim. Esse é o bom caminho da deusa. Não posso ser grotesco ou grosseiro, mas posso ter uns belos espinhos. Seria estúpido amar o próximo só por amar, e nesses assuntos tenho uma veia negra e visceral. O que acho feio me repele, e cada vez mais desejo eliminar o contato com sua desagradabilidade existencial. Eliminar o feio como limpo o banheiro dos meus gatos, sem ódio e sem apego, sem nojo. Simplesmente uma tarefa a mais. Algumas pessoas valem menos que a merda dos meus gatos, que afinal é sagrada para minha Santa Morte.
Acho que consegui expressar um pouco o que quero dizer com vaidade. Para além de todas as fés políticas, a vaidade é o unico caminho. É um caminho tortuoso, sem dúvida, mas ele mostra as coisas que realmente são vivas, que realmente são importantes na vida: amor e cuidado, alegria, um cálido sentimento de sorriso que parte do coração e provoca as lágrimas. Narciso nunca viu apenas o próprio rosto em seu reflexo. Narciso viu toda a Natureza, e por fim se fundiu com ela.
Um mito da beleza e dos que se dão em sacrifício por ela.
Que seja nosso o mito de Narciso.
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